WILIAN MARQUES
- MARCIA MARQUES COSTA

- 30 de out.
- 2 min de leitura
Tic Tac
O mundo acorda atrasado.
É um vício coletivo, um pacto tácito de desajuste. O ônibus não chega, o semáforo não abre, o relógio insiste em correr mais rápido do que as pernas. No espelho, o narrador, ou talvez qualquer um de nós, mede o tempo com o fio da barba por fazer, a maquiagem meia boca, o café entornado, o cadarço que nunca colabora.
O dia começa com um suspiro e termina antes de começar. Há um certo heroísmo em quem ainda tenta se arrumar com dignidade enquanto a chaleira chia, o elevador demora e o celular vibra exigindo respostas que não chegarão a tempo.
O mundo é um cronômetro em pane, e cada segundo perdido parece mais valioso do que ouro e menos útil do que um botão sem casa.
Nas filas, corpos comprimidos se espremem num balé grotesco.
O atraso tem cheiro, mistura de desodorante barato, Davene, ansiedade, pão com margarina e frustração. Há quem corra com a mochila aberta, deixando papéis voarem como pássaros demitidos. Uma mulher se maquila entre solavancos, criando traços de guerra no espelho retrovisor do carro. Um homem fala sozinho, talvez ensaiando desculpas para um chefe que não acredita mais em congestionamentos ou pneus furados. No fone de ouvido, a cidade late, buzina, suspira, grita.
Tudo corre sem realmente sair do lugar. E há uma beleza trágica nisso: essa tentativa obstinada de alcançar o inalcançável, de dobrar o tempo com força de vontade e desculpas.
Quando o enfim chega, já é tarde demais.
O relógio confirma o fracasso com uma indiferença elegante. No escritório, a reunião acabou, o café esfriou, o cliente desistiu, o espetáculo já começou e as portas, já estão cerradas, a lotérica fechou, a loja apagou a luz e o mundo segue impune.
Tu te sentas, respira, finge normalidade. O corpo ainda vibra da pressa, o coração cronometrado demais para entender o ócio.
Lá fora, o sol, sempre pontual, ou a chuva, sempre precisa, dissolve a manhã. E, num lampejo de resignação, tu percebes que talvez o atraso seja o modo mais humano de existir, uma tentativa de não se deixar domesticar pelo tempo.
Sorria, sem pressa. Afinal, quem chega atrasado nunca perde o melhor: o caminho.








