WILIAN MARQUES
- MARCIA MARQUES COSTA

- 23 de out.
- 2 min de leitura
Motor
Existe uma espécie de eternidade que cabe em minutos. Ela aparece sem aviso, entre o fim de um esforço e o começo de um descanso.
Vem quando o corpo está exausto, mas a alma, essa coisa que ninguém sabe onde mora, parece satisfeita. É o instante em que a mente silencia e o mundo, cansado de se exibir, resolve apenas ser.
O volante quente sob as mãos, o horizonte dissolvendo o sol em tons de ferrugem, o vento lavando o rosto. Nada grandioso, nada digno de fotografia, e ainda assim uma paz que poderia redimir todos os pecados da pressa.
O carro segue, e eu também sigo, movido por uma música que não escolhi, mas que me escolhe, nota por nota, até me convencer de que viver talvez seja só isso: suportar o caos esperando esses poucos minutos de sossego absoluto.
A estrada corre, e eu penso nas vezes em que a felicidade me enganou.
Ela nunca veio nos grandes dias, nas vitórias planejadas, nas taças erguidas, nos grandes sucessos. Veio no intervalo entre o suor e o banho, entre o último gole e o primeiro bocejo.
O prazer de estar cansado de algo que valeu o esforço, o luxo de não precisar provar nada a ninguém. É nesses instantes que percebo o erro dos tolos e dos poetas: procuraram o infinito no alto, quando ele se esconde nas dobras do comum.
O gosto da água, o barulho dos pneus, a lembrança do prato guardado na geladeira, há uma santidade modesta nisso tudo. O mundo, por um instante, deixa de ser uma engrenagem rude e se torna um organismo respirando comigo.
Chego em casa com a sensação de ter sobrevivido a algo imenso, embora nada tenha acontecido.
Há comida, há silêncio, há alguém que amo no cômodo ao lado. Nenhum milagre se manifesta, e ainda assim tudo parece sagrado.
Sento, respiro, deixo o tempo passar devagar.
A vida volta a ser o que sempre foi: um animal cansado, mas ainda pulsando.
E penso que talvez o sentido não esteja em entender, mas em aceitar , aceitar que às vezes o universo inteiro se resume ao instante em que o vento é morno e o coração, por descuido, está em paz.








