WILIAN MARQUES
- MARCIA MARQUES COSTA
- há 2 dias
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Caloi
A rua estava quase vazia, com aquele ar morno que o fim do inverno às vezes inventa para enganar o corpo. As luzes da farmácia brilhavam feito néon, e o letreiro piscava com uma teimosia quase brincalhona.
Dois meninos, quase adolescentes, rodavam de bicicleta no meio-fio, em círculos desiguais, fingindo uma corrida que não tinha prêmio. As correntes rangiam, o asfalto ainda guardava o calor do dia, e o barulho dos pneus parecia um tipo de riso metálico.
Eu observava do carro, absorto com aquela alegria ingênua, sentindo o cheiro de perfumes e tônicos para beleza. Era um bairro comum, desses que parecem viver em suspensão, entre o tédio e um certo consolo de rotina.
Os meninos não tinham pressa. Brincavam de ganhar tempo sem saber que ele já começava a faltar.
Um deles pedalava de olhos semicerrados, e o outro, mais atrevido, soltava as mãos do guidão, equilibrando-se por um instante que parecia eterno.
A farmácia seguia aberta, indiferente, com sua luz branca lavando tudo de um jeito impessoal. Uma senhora saiu com sua sacola de medicinas modernas, olhou rápido e seguiu, sem notar o milagre breve de duas almas jovens que ainda acreditavam no agora.
O mundo ao redor fazia barulho demais: um portão batendo, uma conversa distante, a vida insistindo em continuar. E, no meio disso, aquele pequeno espetáculo modesto se erguia como um gesto de resistência.
Quando o céu começou a se fechar num azul mais pesado, os meninos encostaram as bicicletas e ficaram olhando o nada, talvez tentando entender por que o ar parecia diferente.
Depois montaram em seus alazões metálicos, e desapareceram na curva, sem cerimônia.
Fiquei ali, vendo o néon da farmácia piscar até que o mundo me chamou e precisei ir.
Pensei em quantas vezes eu também fui embora sem saber que era a última vez de alguma coisa.
E, por um instante breve, desejei que o mundo ainda tivesse aquele barulho de corrente enferrujada, aquele riso simples que não precisava durar.