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WILIAN MARQUES

Jornada


No coração de uma cidade escondida, onde o relógio badalava devagar, preguiçando horas, erguia-se um pomar antigo, quase esquecido pelo mundo. As árvores, de troncos tortuosos, carregavam frutos como se fossem estrelas presas aos galhos. Ali viviam os Aracuãs, aves de canto grave, que aos olhos tolos não encantavam, mas que, aos olhos do vento, eram mensageiros do tempo. Voavam entre figueiras, goiabeiras, jabuticabeiras e laranjeiras, riscando o céu com asas que lembravam brasas vivas. Mas numa manhã enevoada, quando o sereno ainda desenhava espelhos na relva, o rio Yroysanga, que alimentava as raízes do pomar silenciou, envenenado, e as árvores começaram a perder a cor, a flor, o amor. Foi então que os Aracuãs sentiram a voz do destino: não eram apenas habitantes do pomar, eram guardiões convocados para uma travessia.

Reunidos em círculo, como guerreiros antes da batalha, ouviram dentro de si o chamado da “Fonte Sapientia”, uma nascente que os antigos narravam como lenda. Partiram, deixando para trás o pomar que murchava, e avançaram sobre planícies de vento, noites de silêncio e colinas que desafiavam sua coragem. O mais velho trazia lembranças de ciclos passados, o mais jovem, a centelha da ousadia, e o ferido, a lição da paciência. E cada obstáculo, a ventania que quase os derrubava, o breu que confundia o voo, a sombra que se disfarçava de trilha , tornava-se metáfora da vida: a queda que ensina a levantar, o vazio que lembra a fé, a ilusão que desperta o olhar atento. Descobriram que não buscavam apenas água, mas também o sentido da própria existência.

Ao entoarem seu canto diante de uma rocha coberta de musgos, a pedra se partiu em lágrimas de cristal, e a nascente renasceu como promessa. O mundo floresceu novamente, e quando regressaram ao pomar, cada fruto parecia conter um sol, cada folha brilhava como se fosse escrita em ouro. A cidade, antes indiferente, passou a ouvir os Aracuãs como quem escuta oráculos. Assim, o que começou como busca pela água transformou-se em epopeia de resiliência: provaram que até as asas mais simples podem carregar a eternidade. E desde então, cada amanhecer no pomar tornou-se lembrança de que a esperança, mesmo adormecida, nunca deixa de cantar.

 
 

Criado por Lady Cogumelo - Panorama SC

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