WILIAN MARQUES

Infante

O domingo escoa pela janela, arrastando um vento que canta nos vãos da sacada. A mesa pequena de mármore respira no centro da cozinha, fria sob o calor que vem das mãos. O bendito bebe, ocupa o trono da infância, preso na engenhosidade da Mãe, que ri ao lembrar os sustos passados, a queda evitada por um gesto rápido, a cabeça que não encontrou a parede. Ele não ouve, não precisa ouvir. Tem o mundo inteiro no alcance das mãos, que mergulham na tigela com fome de descoberta. A comida, moldada pelas mãos do pai e temperada pelo olhar da mãe, carregava não apenas o sabor, mas a paciência e o amor que sustentam a infância. Cada pedaço levado à boca é um instante inteiro, e entre um e outro, um sorriso explode e se espalha pela casa, iluminando até as sombras tímidas que o fim de tarde deixou nos cantos.

A mãe o observa com uma calma que é feita de orgulho e de um tipo raro de paz. O vento agita a cortina, e ela parece dançar com a respiração dele, que mastiga e saboreia como se fosse o primeiro alimento da história. O pai entremeia silêncios e causos, contemplação e orgulho, os olhos seguindo o percurso das mãos pequenas, a curva da bochecha que se infla para mastigar, o riso que escapa sem razão e se aloja no peito de quem vê. Tudo se mistura: o cheiro do prato, o mármore frio, o tecido leve da cortina, o som do vento e o som da infância crescendo diante deles.

Quando a comida se acaba, o corpo pequeno leva a festa para o cercadinho. Brinquedos caem e renascem nas mãos, num ciclo que não conhece tédio. O som, é de louça lavada, alegria e afeto. O pai deixa escapar que talvez uma casa fosse um mundo melhor para ele. A mãe sorri, mas o vento, que entra mais fundo agora, leva a resposta embora. Lá fora, o domingo se fecha em cinza e sombra. Aqui dentro, tudo permanece vivo: o mármore guardando o calor da refeição, a lembrança recente do riso, a certeza silenciosa de que a felicidade cabe inteira no instante em que um menino segura sua própria comida.