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WILIAN MARQUES

Ode Urbano

A cidade não existe, a não ser quando eu a olho.

É rastro de luz que finge lume, sombra que finge breu.

Ruas deslizam como veias sob a pele do tempo,

a esquina que dobra o vento não leva a lugar nenhum.


A cidade sou eu quando fecho os olhos cansados,

cada buzina é um verso rouco, cada lajota, um sonho.

Nada é real, mas tudo pulsa, tudo arde disfarçado,

o asfalto queima como palavra mau dita, mal lida.


O céu, pálido e cúmplice, desenha mapas de névoa,

com nuvens em fuga, em espanto, em delírio manso.

Seguimos errando pronomes, destinos, esquinas,

na certeza torta de que só se chega ao que é invisível.


A cidade vive de fingir-se verdadeira, concreta,

cenário pintado às pressas com dedos de vento.

Papelão molhado, néon cansado, silêncio que late,

grito engolido dentro do ônibus que nunca para.


Mas seguimos, passos e suspiros, olhos em obras,

construindo avenidas de pensamento e vertigem.

Erguemos edifícios de ideia, praças de espanto,

onde até o tempo senta e observa paciente.


Na vitrine do agora, um ontem acena e recua,

e o amanhã ainda engatinha nas sombras do talvez.

Tudo aqui cabe num suspiro, mas ecoa em grito,

e a gente finge que vive enquanto apenas olha.


Há uma língua secreta nos telhados antigos,

palavras ditas apenas por olhos que sabem olhar.

O vento, cronista bêbado, rabisca memórias

nas roupas do varal, nas frestas da varanda.


A saudade aqui não dói, só acena de longe, rindo,

é vontade estranha de voltar ao que não se viveu.

De tocar o vazio que ficou cheio de lembrança,

como se o nunca tivesse, um dia, acontecido.


Talvez seja só reflexo, invenção do peito,

um espelho antigo pendurado em algum lugar.

Ali, vez ou outra, nos vemos pela primeira vez,

mesmo que seja com os olhos cheios de pesar.


A cidade não se revela, ela se deixa imaginar.

A cidade não se entrega, se insinua,

suas vielas são versos sem fim

E quem a habita, se imortaliza em cada rua.

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