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Urussanguense que foi prefeito em Foz do Iguaçu relembra sua terra natal

URUSSANGA UMA ESCOLA DE VIDA


Por Paulo Mac Donald Ghisi

Engenheiro Civil

Prefeito de Foz do Iguaçu ano 2005/2012

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Apesar de ter me mudado para Curitiba aos cinco anos de idade, a minha ligação com Urussanga nunca se desfez.

Era como se um pedaço de mim tivesse permanecido ali, intacto, entre os vinhedos, o rio, os sinos da Matriz e os braços da minha família.

Todas as férias eu passava em Urussanga — no mínimo, três meses por ano. Estudava bastante para poder ir cedo.

No começo de dezembro eu já estava liberado, e meu destino era a casa da minha tia Gina e do meu avô; do tio Lúcio e da tia Milda; da tia Valéria e do tio Dino; do tio Laerte e da tia Estela; do tio Aldo e da tia Zita; do tio João e da tia Ondina; tio Roberto e tia Olga; e de todos os muitos primos.

Muitas vezes eu chegava de trem, de ônibus ou de carona.

Quando botava os pés na cidade, já tirava os sapatos e a roupa, colocava um calção e ficava descalço por dois ou três meses. Por várias vezes, na hora de voltar para Curitiba, o sapato não servia mais e eu ganhava da minha tia um par de tênis.

Isso foi assim até eu entrar na faculdade, aos dezoito anos.

Sempre que chegava a Urussanga, a primeira coisa que fazia era ir até meu nono. Ele me abraçava. Várias vezes vi suas lágrimas. Me mostrava fotos antigas e contava histórias da sua vida. Tinha um apreço muito grande pelo Exército, e eu pensava que ele queria ter sido militar.

Com 11 anos, entrei no Colégio Militar de Curitiba. Tínhamos fardas iguais às dos militares, marchávamos, aprendíamos todas as cerimônias e comportamentos dos militares adultos. A tia Gina, filha que cuidava do nono, me pediu para levar uma farda completa numa de minhas idas. Chegando lá, me fez colocar a farda para me apresentar ao nono. Entendi sua intenção. Ao me aproximar dele, fiquei na posição de sentido e bati continência, como se estivesse me apresentando a um oficial graduado.

A reação dele foi imediata me emociono até hoje quando lembro. Ele me abraçou chorando e me chamou de “mio bambino caro, mio bambino.”

A vida em Urussanga era tudo que uma criança queria: futebol, bicicleta, praça, banho de rio atrás da casa do nono.

O banho de rio era o máximo. Era uma festa.

Poucas crianças tinham o privilégio que Urussanga oferecia um rio limpo ao lado da casa do nono.

Na margem do rio, num barranco inclinado, vinha uma turma de um lado e outra do outro, e brincávamos de empurrar uns aos outros para dentro da água. Ficávamos horas nessa disputa. Eu me achava um bom nadador. Fazia no rio tudo que queria. Adorava nadar.

Durante as aulas no Colégio Militar, um sargento perguntou na sala quem sabia nadar estavam montando a equipe de natação para competir nos jogos estudantis. Eu, muito afoito, levantei o braço com força. Ao meu lado, colegas vindos do Rio de Janeiro também levantaram. Na comparação, achei que ganharia fácil deles. Me achava bom nadador, formado no rio Urussanga, onde me saía muito bem.

Marcaram um teste na piscina do Círculo Militar. Nos posicionamos, e deram o tiro de largada. Me esforcei ao máximo. Quando cheguei aos 25 metros para fazer a volta, os cariocas já estavam quase concluindo os 50 metros. Saí de fininho, me escondi, envergonhado.

Os cariocas tinham técnica, estilo, dominavam a piscina com facilidade. Foi um grande choque. Senti, pela primeira vez na vida, a importância do preparo, do treino, da técnica. A vergonha foi tanta que procurei um professor, aprendi a nadar os quatro estilos, treinei intensamente.

Dali a um tempo, fui selecionado para a equipe de natação do colégio, depois da faculdade de Engenharia, da universidade, e da equipe da Sociedade Thalia, uma das melhores do Paraná.

Depois da vergonha na natação com os cariocas aprendi a não julgar pela aparência e sempre ter cuidado de não me influenciar com preconceito.

Aprendi na dor.

Infelizmente, depois que as carboníferas começaram a lavar carvão nas águas do rio Urussanga, elas ficaram amareladas, os peixes morreram.

Minha tia Gina, irmã mais velha da minha mãe, fazia uma buchada ao molho de tomate que era a minha tentação.

Por duas vezes, comi tanto que fui parar no hospital, atendido pelo meu tio, Dr. Aldo. Também foi ele quem me operou de apendicite, quando tive uma crise aos 13 anos. Fui operado no Hospital Nossa Senhora da Conceição, onde também nasci.

Outra das minhas boas diversões era tocar o sino da Igreja Nossa Senhora da Conceição, que me levantava e baixava do chão alguns metros várias vezes, era uma festa!!

Já adulto e com mais de 70 anos numa das voltas a Urussanga, não resisti e fui tocar o sino da igreja, a emoção foi grande, voltei no tempo.

Foi em Urussanga que tive a primeira briga da minha vida e foi com o Nine Pilotto, na Creche do Paraíso da Criança, ao lado da igreja, no alto do morro. Acho que empatamos nos tapas. Ficamos melhores amigos até hoje.

A Praça Getúlio Vargas, em frente à casa do meu avô, era palco de muitas brincadeiras.

Subíamos nas árvores, e numa dessas peripécias, meu primo Laércio caiu e, no acidente, perdeu dois dentes. Depois disso, fomos proibidos de repetir as aventuras nas árvores, fazíamos escondido...

Nos finais de tarde, numa casa de frente à praça, na varanda, se sentava o velho Keco Batillana de quem eu gostava de ouvir as suas muitas histórias.

Urussanga era onde eu me sentia bem, livre, realizado. Minha formação pessoal recebeu uma grande contribuição do meu tio Dino, que sempre me emprestava um livro ou dois que era a cota de leitura das férias. Isso me ajudou muito na vida leio muito até hoje.

Outro momento especial era o Cine Urussanga. Não perdíamos um faroeste ou filme de aventuras.

O cinema teve meu pai, Tito Olivier Ghisi, como um dos fundadores. Ele era filho de italianos: meu avô paterno, Ignacio Ghisi, veio de San Benedetto Pó, e minha avó, Maria Olivier, de Longarone.

Meu pai foi voluntário para a Segunda Guerra Mundial, na Força Expedicionária Brasileira. Era segundo-sargento, e seu domínio do italiano fazia com que tivesse um papel importante nos contatos com a comunidade durante a guerra. No retorno à Itália, anos depois, com seus colegas expedicionários, foram recebidos com festa por inúmeras pessoas, homenageados com música, o Hino Nacional Brasileiro e a “Canção do Expedicionário” cantada pelas crianças, na comemoração dos 60 anos da Vitória.

Urussanga é mais que uma cidade; é um testemunho da resiliência italiana, da fusão entre tradição e progresso.

Suas ruas guardam histórias de trabalho, amor e superação de tantos imigrantes e seus descendentes.

Celebrar os 147 anos dessa imigração é honrar um legado que ainda pulsa nossos corações de seus descendentes.

“Terra dove ho lasciato il mio cuore, Urussanga sei sempre con me.

 
 

Criado por Lady Cogumelo - Panorama SC

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