top of page

Tragédias nas minas de Urussanga: dores da história do carvão no Brasil


ree

Foto arquivo


O subsolo de Urussanga não guarda apenas carvão mineral, mas também memórias de dor, resistência e perdas irreparáveis.

A mineração, que durante décadas sustentou famílias e impulsionou a economia do sul catarinense, foi palco de alguns dos mais trágicos acidentes da história brasileira no setor.


Sérgio Maccari
Sérgio Maccari

Entre eles, o mais devastador ocorreu em 10 de setembro de 1984, na Mina Santana, quando uma explosão matou 31 mineiros. Quarenta anos depois, as lembranças ainda ecoam na memória de quem viveu aqueles dias de terror.

Sérgio Maccari, então com 24 anos e encarregado da parte elétrica do subsolo, é uma das testemunhas vivas dessa tragédia.

O relato emocionado que ele compartilha remonta ao desastre de 1984 e a outros acidentes ocorridos em minas de Urussanga, revelando a dimensão do risco a que milhares de trabalhadores estavam expostos diariamente.


Tragédias anteriores


Antes do fatídico 1984, Urussanga já havia enfrentado outras perdas no subsolo.

Sérgio relembra um acidente ocorrido na Mina do Rio América, onde uma explosão vitimou o senhor Paulo Silveira, ainda hoje lembrado pela comunidade.

“Naquele episódio, meu próprio pai estava no subsolo. Ele sobreviveu, mas perdeu a audição de um dos ouvidos por causa da explosão”, relata.

Outra tragédia ocorreu na década de 1960, novamente na região da Mina Santana.

Trabalhadores realizavam o carregamento de dinamite na boca da mina quando houve uma detonação acidental. Naquele momento, mulheres e crianças que levavam o almoço aos familiares também foram atingidas.

“Morreram a mãe, os filhos e outras pessoas que estavam por perto, além dos operários envolvidos no carregamento. Foram cerca de cinco ou seis mortos naquela ocasião”, recorda Sérgio.

Esses episódios, ainda que de menor proporção, já evidenciavam a vulnerabilidade do trabalho nas galerias subterrâneas e a fragilidade das condições de segurança da época.


O 10 de setembro de 1984

A maior tragédia da mineração em subsolo no Brasil aconteceu numa manhã de segunda-feira, quando os mineiros iniciavam mais uma jornada de trabalho no painel 6 da Mina Santana, localizada no bairro Rio Carvão.

Segundo Sérgio, já havia sinais de alerta. “Na noite anterior houve falta de energia, e quando isso acontece os exaustores pequenos retomam sozinhos, mas os grandes precisam ser ligados manualmente. O risco de acúmulo de gás metano era real”, lembra.

Às 5h20, uma forte explosão sacudiu as galerias. O impacto arremessou trabalhadores, derrubou estruturas e interrompeu a energia elétrica. “A explosão inicial foi causada pelo acúmulo de gás, mas o que matou o pessoal foi a detonação do dinamite armazenado. Havia cerca de doze caixas prontas, e o deslocamento de ar foi tão grande que estourou os tímpanos de muitos”, relata.

O trabalho de resgate se estendeu por três dias. Nenhum dos 31 mineiros soterrados sobreviveu. Sérgio relembra o cenário devastador: “Nós encontrávamos os corpos praticamente intactos no subsolo, mas quando chegavam à superfície e entravam em contato com o ar, começavam a inchar e deformar. Foi uma das imagens mais duras que carregamos até hoje.”



O resgate e a dor coletiva

As equipes de resgate precisaram enfrentar o risco de novas explosões e a intoxicação provocada pela fumaça tóxica.

Sérgio recorda que chegou a carregar colegas desacordados até a saída da mina.

“Nós desmaiávamos um atrás do outro, porque a ventilação estava comprometida. Foi preciso reconstruir os tapumes, que garantiam a circulação do ar, para que pudéssemos prosseguir”, descreve.

A busca pelo último corpo, identificado como “Kid”, só foi concluída na quinta-feira, três dias após a explosão. “Quando o encontramos, foi um misto de alívio e tristeza. A partir dali a mina foi lacrada para investigações”, diz.

Durante três meses, um pequeno grupo de técnicos, incluindo Sérgio, foi autorizado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) a descer diariamente até o local da tragédia para acompanhar os trabalhos de apuração. “O mais doloroso era passar todos os dias pelos mesmos pontos onde tínhamos recolhido os colegas. O que vimos nunca saiu da nossa memória”, lamenta.


Marcas que não se apagam

Quarenta anos após a tragédia, as cicatrizes emocionais ainda permanecem abertas. “Eu gostaria de ter um chip para tirar essas imagens da cabeça e mostrar para as pessoas o que realmente vivemos lá embaixo. Só quem esteve presente sabe a dimensão daquilo”, confessa Sérgio, emocionado.

As tragédias das minas de Urussanga mudaram para sempre a vida de centenas de famílias e expuseram a precariedade da segurança no setor carbonífero da época. Hoje, apesar de avanços tecnológicos e normativos, os episódios permanecem como lembrança viva dos riscos do trabalho no subsolo.

O acidente da Mina Santana de 1984 consolidou-se como a maior tragédia da mineração subterrânea no Brasil. Mais que um episódio isolado, representa o sacrifício de uma geração de trabalhadores que enfrentaram a escuridão das galerias para sustentar suas famílias.

Em Urussanga, a cada 10 de setembro, a comunidade relembra com dor, mas também com respeito, os 31 mineiros que perderam a vida naquele dia. Uma história que precisa ser contada e preservada para que jamais se repita.

 
 

Criado por Lady Cogumelo - Panorama SC

LOGOS JORNAL SITE_edited.png
  • Ícone do Facebook Branco
  • Instagram
  • TikTok
  • Telegram
  • X
bottom of page