Urussanguense transforma paixão por animais em criadouro de cães na Itália
- MARCIA MARQUES COSTA
- há 4 dias
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Com mais de 100 cães e uma clientela que inclui juízes e médicos, a empreendedora brasileira construiu na Europa um negócio próspero, sem esquecer as raízes e a vida simples.
Vera Alves reside em Castelnovo Bariano, uma comuna italiana da região do Vêneto, província de Rovigo, com cerca de 3.052 habitantes. Há 19 anos Vera deixou Urussanga, em Santa Catarina, com uma mala, coragem e um sonho indefinido. Hoje, aos 50 anos, vive em uma propriedade espaçosa na província italiana de Rovigo, onde administra um criadouro de poodles — ou barboncino, como são chamados no país — que se tornou referência na Europa. O caminho até aqui, porém, não foi linear. Entre trabalhos como garçonete no Lago de Garda, oportunidades em Verona, a compra de uma casa em Pádua e até a gestão de uma sorveteria na Alemanha, Vera construiu, passo a passo, um projeto que une paixão, disciplina e persistência.
Vera desembarcou na Itália em 2006, inicialmente para tratar da cidadania. Encontrou trabalho no setor de gastronomia, onde permaneceu por sete anos no Lago de Garda. Depois, mudou-se para Verona, onde viveu por dois anos, até receber uma proposta de emprego em Pádua.
Foi lá que, ao passar por um centro comercial, viu um filhote preso em uma pequena gaiola.
“Fiquei com pena dele. A dona queria 600 euros, mas ofereci 500 para levá-lo na hora”, recorda. Esse momento marcaria o início de uma relação que mudaria seu rumo profissional. Logo comprou um macho, iniciou a criação e, com o tempo, chegou a ter dez animais.
O crescimento do pequeno criadouro coincidiu com uma oportunidade de adquirir uma sorveteria na Alemanha. Vera vendeu a casa em Pádua e investiu no novo negócio, onde ficou por quatro anos. A sorveteria prosperava, mas a pandemia mudou os planos.
“Foi nesse período que comecei a comprar cães no Brasil, buscando também minha própria linha de sangue”, explica.
A empreendedora importou mais de 40 animais do país, selecionados pela qualidade genética. Entre eles, descendentes de uma cadela campeã mundial.
De volta à Itália, Vera estabeleceu o Allevamento Chantal di Barboncino Toy. Hoje, conta com cerca de 100 cães, dos quais 30 estão disponíveis para venda. Os filhotes, vendidos a preços entre 1.500 e 3.000 euros, chegam a famílias de alto poder aquisitivo.
“Vendo para juízes, médicos, dentistas. É um público que valoriza qualidade e cuidado”, afirma.
A rotina inclui partos assistidos por ela própria, cuidados diários, alimentação balanceada e atenção veterinária. “Eu faço tudo: limpo, seco, corto o cordão umbilical. Cada nascimento é uma joia”, diz emocionada.
Negócio profissional e clientes internacionais
O criadouro tem presença digital forte, com site otimizado que aparece na primeira página de buscas. O marketing é reforçado por fotos e vídeos produzidos com ajuda do filho mais velho, Fabrício, de 23 anos, que também auxilia na publicidade. O caçula, de 14 anos, divide-se entre estudos e tarefas no canil.
A clientela é formada tanto por italianos quanto por estrangeiros, atraídos pela reputação da marca. O transporte de cães do Brasil para a Itália, no entanto, exige superar uma burocracia complexa: vacinas específicas, exames de sorologia, certificados do Ministério da Agricultura e restrições de horários e condições de voo. “Já passei fome e sede esperando no aeroporto. Não é todo avião que transporta animais, e no verão, entre 10h e 16h, não podem embarcar”, relata.
A propriedade de Vera em Castelnovo Bariano oferece espaço para cães, plantações e pequenos animais como galinhas e coelhos. Frutas e verduras são cultivadas para consumo próprio. Localizada estrategicamente próxima a cidades como Bolonha, Verona e Modena, a chácara proporciona tranquilidade e fácil acesso a centros urbanos.
O custo de vida, segundo ela, é muito mais acessível que no Brasil. “Aqui você ganha 2 mil euros e compra tomate a 50 centavos. Dá para viver muito bem”, compara.
Apesar de manter laços com o Brasil — sua mãe e irmãos continuam em Urussanga —, Vera não pensa em voltar.
“Minha vida é aqui agora. Meus filhos moram aqui e gostam. Aqui é como viver no Brasil, mas com mais segurança e qualidade de vida”, resume.
A única saudade? Os bailes.
“No Brasil, todo fim de semana tinha música, dança e uma cachaça. Aqui, no começo, ainda tinha festa brasileira, mas acabou. Hoje prefiro ficar em casa com meus bichinhos”, admite.
Com 15 novas fêmeas em fase reprodutiva, Vera pretende aumentar a produção anual para mais de 100 filhotes, mantendo o padrão de excelência genética.
“Sempre quero melhorar as instalações. Agora estamos fazendo pavimentação industrial com saídas de água para higienização. Investir é essencial”, explica.
Para ela, o sucesso está na combinação entre amor aos animais e gestão profissional.
“A satisfação é ver nascer, crescer e ir para boas famílias. É cansativo, mas gratificante”, diz.
A trajetória de Vera Alves é a de quem soube transformar desafios em oportunidades. Entre mudanças de país, reinvenções profissionais e muito trabalho, construiu um negócio sólido e de reputação internacional, sem perder a simplicidade de quem se criou “no carro de boi” e ainda se emociona com o nascimento de cada filhote.